LGBT's: Não somos cobaias de laboratório!


Por: Ricardo Rocha Aguieiras

Não somos cobaias de laboratório. Nem animais em um zoológico.No início do Grupo Somos de Afirmação Homossexual,  em 1978, quando começamos no Brasil as lutas pelos direitos dos Homossexuais, vários estudantes e universidades vinham nos procurar para palestras, estudos, debates sobre homossexualidade e sexualidade; trabalhos de pós graduação, doutorados, livros e etc., quando percebemos que estavam bem mais interessados no ineditismo do tema  e bem mais interessados nas notas de suas bancas examinadoras do que no combate efetivo do preconceito sofrido por gays e lésbicas. E tomamos a decisão, muito sábia a meu ver, de não sermos mais "objetos de estudo", como animais em extinção, para essa gente e entidades. Se quisessem escrever algo sobre nós, algum trabalho ou estudo, tudo bem, mas teriam tanto que participar do grupo como membro efetivo, quanto se posicionarem dentro do Somos enquanto homossexuais. Em parte, isso funcionou enquanto existimos. Em parte, apesar de terem se comprometido conosco, alguns não cumpriram suas promessas e, depois que o Somos acabou, lançaram seus livros e trabalhos como se fossem apenas "observadores" do momento importante em que vivíamos e dessa espécime tão rara que eram os  e as homossexuais. Ou seja, fomos traídos, concordaram com a participação apenas  visando o seu objetivo, nunca o nosso.

Nada tenho contra estudos, nem contra o Saber, nem contra a Cultura e a informação. Mas acho que tem limites, aí, horrível nos usarem apenas para seus interesses, sem visar uma ajuda na conquista de direitos e no fim dos preconceitos. Essa "isenção" dos acadêmicos favorece só a eles, não a nós, LGBT’s.

Três décadas se passaram e noto, hoje, que isso continua, infelizmente. Agora, os LGBT's idos@s são a bola da vez.

Depois da maravilhosa e surpreendente reportagem de Déa Januzzi, no jornal "Estado de Minas" (aqui), que foi a melhor matéria sobre o Envelhecimento LGBT que eu já li, voltei a ser procurado por vários e várias estudantes ou formados, visando o seus TCC's e doutorados, mestrados, pós e percebo que continuam apenas e somente nos usando para o fim já colocado:  suas notas e aplausos na defesa de suas teses tão inovadoras( Modo Cinismo On...risos).  Uma,  do Mackenzie, em seu trabalho de conclusão do curso de Psicologia, me disse, ingenuamente prefiro acreditar, que ela "Adora os velhinhos cor-de-rosa". Não dei um soco na cara dela na hora por dois motivos: Um, é que sou contra a violência física. Outro,  é que não posso ser processado judicialmente e perder por que sou muito pobre... Aí, veio também um antropólogo que me mandou a introdução de seu trabalho de doutorado, sempre naquela linguagem empolada e pomposa dos acadêmicos, onde ele me parece mais preocupado em detalhar as roupas usadas pelos seus idosos gays entrevistados e usou um universo de pesquisa restrito demais, sites de encontros sexuais para gays, reforçando a ideia errônea de que gays só podem existir nesses meios, por que procurar mais talvez desse muito trabalho a ele. Mera preguiça típica. 

Evidente que existem excelentes trabalhos como os que eu já citei em artigos anteriores, como os de Anna Cruz de Araújo P. Silva e os de Cristian Paiva, ambos podem ser consultados no Google e foram realmente inovadores e feitos com empenho e talento. Honrosas exceções.

Tomei a decisão e perguntar, quando me procuram, o que tal trabalho poderá fazer pelos idosos e idosas LGBT's e como poderá ser usado para combater a homofobia. E me respondem com um lugar-comum que parece decorado: "Queremos jogar luz sobre o envelhecimento LGBT"... Será que querem mesmo? Ou querem apenas um 10 da banca examinadora? Mesmo por que depois que concluíram, nunca mais me procuraram e nunca mais vi essas pessoas fazendo algo a nosso favor.  E como podem realmente combater a homofobia e jogar luz sobre algo se escrevem apenas para eles, os eleitos acadêmicos e acadêmicas entenderem? Se neste país com frágil Educação e falhas graves de aprendizado as pessoas nem sabem o que quer dizer a sigla "LGBT" e usam ingenuamente a palavra "homossexualismo"? Num país onde a bola de futebol vale muito mais que um livro, será que os que puderam chegar lá, na universidade não teriam o compromisso de ousarem transmitir aos que não puderam estudar esse mesmo Saber, numa linguagem clara, simples e compreensível por todos? Qual é a vantagem social de se pregar para os já convertidos?  Considero ser "estudado" que nem bicho exótico um dos meandros e filigranas da homofobia, muito mais profunda do que imaginamos.

Enfim, repito; não sou e não somos bichinhos a serem estudados. Somos seres humanos iguais àqueles que nos procuram para suas teses. Quero empatia. Quero igualdade! Se ele tem o Saber, eu tenho a experiência, tenho a vivência e sei onde dói o meu calo. E ele? Terá que provar os benefícios que tal trabalho me (nos) trará. Ou nada feito!

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A luz revelada nos olhos da criança

Por que Deus quis nascer entre os homens? Por que há Deus, e não simplesmente o “nada”, a escuridão dos tempos? A palavra “deus”, como as palavras “dia” e “divino”, não é de tradição bíblica. No sânscrito indo-europeu “deus” significa “luz”. A luz, de fato, é uma poderosa e complexa metáfora do divino. Ela é presente e discreta por toda parte, como o calor. Como o vento – metáfora do Espírito Santo – a luz é sutil, discreta, mas presente enquanto emana a vida opondo-se à metáfora das trevas (L. C. Susin). Mas não é só isso. A palavra “Luz” evoca a experiência bíblica e cristã do menino nascido em Belém, no coração da miséria (Is 9.2-27; Lc 2.1-14; 15-20).
As trevas, no entanto, são o símbolo do nosso tempo, e o lado obscuro da humanidade em todas as eras. Polaridade negativa. É verdade que nesta geração, como resultado de inovações tecnológicas, médicas, sociais, ideológicas e políticas, assistimos uma mudança notável na maneira como um vasto número de pessoas vive. Ao mesmo tempo, termos como: ideologia política, guerra mundial, holocausto, genocídio, terrorismo, guerra nuclear e choque ambiental, entraram em uso comum, tornaram-se uma influência na vida cotidiana das pessoas. O século 20 começou com 1 bilhão, e este já inaugurou 7 bilhões de habitantes no planeta Terra.
  • A luta terrível entre forças divinas regendo o universo – forças demoníacas que abrigam o poder, possibilidades que negam a vida – confunde o que se deveria pensar sobre Deus, diante de ídolos de poder, de conhecimento científico, de dominação religiosa. Para projeções de desejos de força, poder, e de medo, é melhor o nada. O vazio. A tradição cristã abraça esse nada e esse vazio, apontando em escandalosas expressões o que está no coração da Natalidade: “A Palavra se fez Carne” (Jo 1.14), “Esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição da servidão humana” (Fp 2.7).
  • Vítimas da impiedade vigente, o menino seria o Deus dos fracos como sua mãe. Da tipologia de Deus, agora no menino, o profeta garantia, no passado: “Eu habito em lugar santo, mas estou junto ao humilhado e esmagado” (Is 57.15). Portanto, não é olhando para os céus que ele é encontrado (Atos 1.10-11), mas no chão terreno onde a vida é aviltada. Não é zelando pela santidade, é no coração da miséria que o menino “nasce”, experimentando todas as fragilidades, injustiças, desigualdades, abandono e ameaças constantes de intolerância e exclusão. Frágil e mortal, sofria as condenações dos pobres desde o berço. Outro profeta disse que ele seria o juiz das consciências e defensor das causas perdidas: “Praticou o direito e a justiça [...], julgou a causa do pobre e do indigente abandonados” (Jr 22,15-16).
  • A Natalidade do Senhor não é uma exibição de grandeza política ou religiosa. O menino não quis ser um ídolo e, como ele, Tiago disse: “O verdadeiro louvor e a verdadeira religião são o socorro ao pobre, ao órfão e à viúva” (Tg 1,27). Não há religião sem uma ética do cuidado, da misericórdia, da compaixão e da solidariedade. Voltada para o que sofre, o desprotegido, o que chora, que é abandonado, torna-se verdadeira.
  • A tragédia do não reconhecimento do desenho poético de Deus nos condena à perplexidade. No menino de Nazaré vê-se o lado mais sombrio e efêmero do presente, que não só abandona os sofredores de injustiça, mas mergulha na impiedade. O mundo violento, egoísta, ganancioso, declara não depender de Deus, enquanto venera o Natal mercantilista e pagão. Muito menos mostra precisar do menino – e são as crianças que haverão de sobreviver a ele.
  • No entanto, na voz melodiosa de Maria, a mulher: “a misericórdia de Deus continua de geração em geração… sua força dispersa os planos dos soberbos e arrogantes… derruba dos tronos os que detém poder, e valoriza a gente humilde que não tem com quem contar… cumula de alimentos os famintos, e manda os ricos para os quintos dos infernos… socorre o seu povo, conforme prometera no passado, recordando sua lealdade e fidelidade, para sempre” (Lc 1.46-55: paráfrase minha). Não há alegria maior, quando uma criança nasce para tal fim. Deus está conosco, “Jesus é a alegria do mundo”. Com a palavra o hino de J. S. Bach, que cantaremos em toda a sua profundidade e extensão neste dia de Natal, lembrando a solidariedade de Deus com os humilhados.
  • Aqui nos deparamos com o destino humano, perspectivas abertas, horizontes infinitos, sem nos privarmos do esplendor da vida em todas as suas manifestações. Sonhamos com paraísos, no menino. Construímos utopias. Como os sons e as tonalidades do Universo, podemos dizer que há um céu em nós, como há um sol e estrelas; que não há um “eu” sozinho, mas muitos “eus” compartilhando a vida criada por Deus. O evangelho da Natalidade do Senhor recorre à poesia, poder da imaginação, porque um poeta imita Deus quando recorre à eficácia das belas imagens do mundo ideal (Lc 1,46-55). Um mundo sem males nem dores, um novo céu e uma nova terra (Is 65.17-25; Ap 21,1). Diria que “um belo poema, como o da Criação e do Universo inteiro (Salmo 19), não é mais que uma maravilhosa canção de amor pelo mundo criado”. Só os poetas, e o próprio Deus, creem que a beleza do mundo inteiro, como nos seus mistérios, está nos olhos da criança. Neles, os céus declaram a poesia de Deus, e o firmamento declama a obra das suas mãos.

É pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor do livro “O Dragão que Habita em Nós” (2010).


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